quarta-feira, 15 de abril de 2009

O diário de um cucaracha


Cucaracha, em espanhol, significa barata. Nos Estados Unidos, cucaracha é a carinhosa gíria utilizada pelos nativos para se referir a imigrantes latino-americanos.

Acabei de terminar de ler ''O diário de um cucaracha'', livro engraçadíssimo escrito pelo cartunista Henfil, que foi tentar a sorte na América do Norte nos anos 70.
O ''diário'' é na verdade uma coletânea das cartas enviadas pelo artista a seus amigos e familiares, durante os quase dois anos em que residiu em Nova York (de 1973 a 1975).

Henfil era uma pessoa extremamente sincera e aberta, e isto transparece na obra. Em suas cartas, ele contava sem pudor tudo o que estava sentindo e relatava vários eventos que tiveram significância em sua estada, muitos deles até constrangedores.

Apesar de ser um quadrinista e não um escritor, o texto do autor é extremamente fluido e divertido. É impressionante o capricho que ele colocava nas cartas que escrevia aos amigos, mesmo estando atolado de trabalho. Além disto, Henfil tinha uma linguagem muito rica e engraçada, e não media o uso de palavrões e expressões fortes, assim como de recursos de estilística até bem sofisticados, para retratar o que estava sentindo.

O livro mostra o desgosto com o qual Henfil estava convivendo no Brasil da ditadura militar, estando submetido à censura. O cartunista fazia vários desenhos por dia, às vezes mais de dez, para que apenas dois ou três fossem aprovados para serem publicados em jornais.

Assim, o artista resolveu tentar a sorte nos Estados Unidos. Chegou lá sem saber falar inglês e classificado como ''correspondente''. Apesar de estar morando em Nova York, produzia cartuns e charges sobre o Brasil e mandava-os pelo correio para os jornais do país para os quais ainda trabalhava. Não obstante, Henfil tinha pretensões grandes: Queria produzir em inglês e vender para a imprensa americana e, depois de consolidado, ingressar no mundo do desenho animado.

Com o tempo, o artista foi aprendendo inglês gradativamente e ''traduziu'' alguns de seus personagens para o contexto americano. Como era talentoso, conseguiu filiar-se a um grande sindicato distribuidor de quadrinhos que venderia suas tirinhas (sim, ele foi obrigado a transformar seus cartuns e charges em tirinhas) e passou a ser publicado em jornais americanos.

A experiência não deu muito certo. Os americanos, acostumados a quadrinhos sobre ''bichinhos engraçadinhos'' e ''brigas de casais engraçadinhos'', nas palavras do próprio Henfil, não foram capazes de compreender seu humor anárquico, politizado, sarcástico e pesado.

Assim, Henfil chegou a um ponto em que ou se amenizaria tornando-se pasteurizado para vender aos americanos, ou teria que revolucionar os quadrinhos daquele país lutando sozinho contra a alienação dos leitores americanos. Cansado, preferiu voltar para o Brasil da ditadura.

Outros pontos que influenciaram na decisão da volta foram os terríveis hospitais públicos americanos, para os quais o artista tinha que ir constantemente para tratar sua hemofilia, e a falta de empatia com o povo norte-americano, o qual Henfil classificava como robotizado, frio e intolerante.

O livro é um rico relato dos Estados Unidos daquela época tumultuada, mencionando eventos como o escândalo de Watergate e a Guerra do Vietnã; Um retrato auto-biográfico bastante interessante do próprio Henfil, falando sobre o homem e o artista; E também uma coleção de crônicas deliciosas, muitas delas escrachadas, mostrando como era a vida na nação ''mãe, pai e tia'' do capitalismo.

Mesmo para quem não curte quadrinhos (e que é ruim da cabeça ou doente do pé), ''O diário de um cucaracha'' é um livro que poderá trazer muita diversão e conhecimento sobre a vida de um dos maiores humoristas que o país já teve.

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